Conquistar a liberdade e a democracia,<br>construir um País novo
Regime moldado para impor em Portugal o domínio dos monopólios associados ao imperialismo e aos latifúndios, o fascismo era o instrumento dos interesses da grande burguesia nacional e estrangeira e da exploração do proletariado. Mas o Estado corporativo atingia também a pequena burguesia rural e urbana, a intelectualidade e camadas da média burguesia, por isso o seu derrube e a conquista da liberdade e da democracia eram os objectivos que uniam todos os sectores antifascistas. Foi sob essa consigna que, ao levantamento militar desencadeado pelo Movimento das Forças Armadas, se seguiu imediatamente o levantamento das amplas massas populares.
Nove anos antes, em 1965, o Partido Comunista Português havia indicado a insurreição – a luta armada do povo e dos militares revolucionários – como a via para vencer e destruir o aparelho militar e repressivo fascista. A justeza desta apreciação veio a confirmar-se no 25 de Abril, sublinhando que a orientação seguida pelo Partido durante décadas de resistência popular ao fascismo era a única capaz de obter sucesso no momento do assalto final, o qual, tal como apontado, deveria culminar persistentes movimentações revolucionárias.
Essa orientação traduziu-se na intensificação da luta de massas como motor das transformações a que o povo aspirava. Combate tecido em pequenas e grandes acções reivindicativas, feito de organização e confiança, de promoção da unidade em torno de objectivos concretos; processo longo que só o PCP foi capaz de levar adiante apesar da repressão, e que permitiu dotar de experiência a classe operária, os trabalhadores e as camadas laboriosas; escola, ainda, na qual os trabalhadores desenvolveram a consciência da necessidade do derrube do fascismo como comissão administrativa de toda uma classe opressora.
Só tendo em conta esta realidade é possível compreender o êxito fulminante alcançado na madrugada de 25 de Abril e nos luminosos dias e meses de construção de um País novo que se seguiram
Aliança de classe
Se foi na luta do proletariado contra a ditadura que gerações de operários e camponeses forjaram a sua consciência política e de classe arrastando estratos progressistas ou não afectos ao fascismo, foi no movimento democrático e estudantil, na rejeição da barbárie colonial e da guerra que os jovens soldados e oficiais do MFA percorreram caminho semelhante. Uns e outros levaram para o interior das Forças Armadas o espírito revolucionário e anticolonialista.
Ainda que alguns desconsiderem a aliança Povo-MFA sobrevalorizando a audácia e acertividade da táctica e estratégia militar dos capitães, é a primeira que permite consolidar a conquista da liberdade e da democracia e abrir as largas alamedas das conquistas de Abril.
À chegada ao Aeroporto de Lisboa, a 30 de Abril de 1974, Álvaro Cunhal sublinhou que «o momento exige que se reforce na acção diária a unidade da classe operária, a unidade das massas populares – força motora das grandes transformações sociais; que se alargue e reforce na acção diária a unidade de todos os democratas e patriotas e se desenvolva impetuosamente a sua força organizada; que se reforce a aliança, a cooperação, a solidariedade recíproca entre as massas populares e os oficiais, sargentos, soldados e marinheiros de sentimentos democráticos e liberais».
O primeiro Avante! legal e os comunistas no Governo Provisório
Factores determinantes
Após 43 anos de vida clandestina, milhares de comunistas vendem, a 15 de Maio de 1974, o primeiro Avante! legal. Tal é um sinal inequívoco das mudanças em curso e projecta a voz que o fascismo nunca conseguiu calar. Meio milhão de exemplares esgotam rapidamente. Nas ruas ecoa a informação livre sobre a situação, a divulgação das tarefas do momento indicadas pelos comunistas, e a necessidade da organização do único grande Partido nacional e o mais consequente defensor do que já se havia alcançado e do demais que havia para conquistar.
Na primeira página desse histórico número do órgão central do PCP, a manchete destaca a participação dos comunistas no Governo Provisório. A inclusão do PCP no executivo é, simultaneamente, o reconhecimento da força nodal para o derrube da ditadura fascista, e da importância do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores na consolidação dos primeiros passos da revolução.
A luta travada pelos comunistas no seio do primeiro executivo e nos que se lhe seguiram até ao 25 de Novembro foi semelhante à que decorria nas fábricas, nos campos e nas ruas, notou Álvaro Cunhal em «A Revolução Portuguesa – O Passado e o Futuro». O carácter contraditório do poder constituído, com elementos estranhos ao movimento antifascista, conferiam ao poder um atraso significativo face à dinâmica das massas e uma pulverização dos centros de decisão, sintetizou também o então secretário-geral do PCP.
Ainda assim, é neste contexto e em resultado da tenacidade dos comunistas, da sua permanente convocação e confiança nas massas, que se conquistam e consolidam a liberdade e a democracia, antes de mais exercendo-as; que se dissolvem os órgãos do poder fascista, a PIDE, a Legião e Mocidade Portuguesa, a Acção Nacional e as comissões de censura; se expulsam das direcções dos sindicatos as hordas fascistas e assumem em seu lugar os legítimos representantes dos trabalhadores; se libertam os presos políticos e se procede ao saneamento dos fascistas no poder local, nas empresas e locais de trabalho, nas escolas e no aparelho de Estado; se institui o salário mínimo e actualizam as pensões de aposentação, entre outros aspectos.
O primeiro 1.º de Maio em liberdade
A vanguarda da revolução
Uma semana após o 25 de Abril, no primeiro 1.º de Maio em liberdade, ocorrem em todo o País as maiores manifestações de massas jamais realizadas em Portugal. Estas atestam a irreversibilidade da conquista da liberdade, a imensa força autónoma do movimento operário e popular no processo revolucionário e o seu papel dirigente no curso das profundas transformações democráticas.
Tal é inseparável da orientação do PCP de unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, fio condutor que continuará pujante nas comemorações do Dia Internacional do Trabalhador que se seguirão, marcadas pela resistência à contra-ofensiva do capital, bem como nas inúmeras lutas contra a política de direita imposta por sucessivos governos visando reverter a revolução e as suas conquistas.
Que se expressou, também e mais recentemente, com força, profundidade e amplitude, na última Greve Geral, e que permanecerá firme como orientação para o futuro, sempre e quando milhares de trabalhadores em luta façam verdadeiramente a grande política.